Notas do campo: mais difícil é andar em luto (por Cleide Vilela) - FIDS

Notas do campo: mais difícil é andar em luto (por Cleide Vilela)

  18, May, 2022

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Denise Stoklos havia apresentado Anna Deavere Smith num curso. Na época, lembro-me de ficar impactada e sair em busca de mais informações sobre essa atriz, vale assistir esse TED sobre tipos estadunidenses. Um tanto avisada, assisti Notas do campo, não menos surpresa. A peça documenta e denuncia como sistemas de educação e justiça criminal agem estruturalmente juntos para encerrar vidas de jovens negros. Aqui, é possível ver o racismo estrutural em ação. Ainda que a atriz fale sobre os EUA, não deixa de ser espelho para o que vivemos nesse país Brasil. Por isso reverbera tanto, por isso nos causa tristeza e indignação, por isso nos sentimos concernidas. Como caminhos possíveis de reparação, a atriz responde com memória, música, poesia, espaços de convivência, manifestações políticas e diálogo.

A forma da peça, por outro lado, é também impressionante. A eloquência (gesto, fala e presença) de mais de 20 personagens feitos pela atriz na solo performance traz muitos pontos de vista. As projeções das fotos das ruas, dos lugares de onde as personagens falam nos aproxima de cada uma, considera seu lugar, sua profissão, seu ser, nos surpreende em nossa alteridade. Há uma pesquisa profunda e cuidadosa e a atriz escolhe minuciosamente gestos, objetos e peças de figurino para desenvolver cada personagem. É teatro, mas é sociologia também: tipos ideais, descrição, pontos de vista, argumentos, teses. As cenas de diálogo entre músico e atriz nos revigora, e nos surpreende com o óbvio, com o que nos interessa no teatro: a presença humana é luz, é brilho.