A mesa inaugural e as moradas de Denise Stoklos (por Sarah Oliveira Carneiro)
  02, May, 2022
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Tarde da primeira segunda-feira de maio neste país tropical, neste mundo que requer árvores em pé e versos ousados, neste mundo que deve elevar o mar realmente a seu lugar de pausa em meio à turbulência. Tarde da primeira segunda-feira de maio e o artista Davi Giordano, emocionado e a nos emocionar, conduz a mesa inaugural do FIDS 2022.
Na roda, com Davi, a pesquisadora Cristiane Moura, o ator, autor e diretor Marcos Americano e a criadora do Teatro Essencial Denise Stoklos. Nada é gratuito naquela tela. Nada é em vão naquela arena de lucidez. Falas rápidas e impactantes se juntam num elo bonito que rememora encontros vividos e são inevitáveis os aplausos de quem, como eu, está ali para assistir.
Cristiane, que há 24 anos escreveu a primeira dissertação sobre o fazer stokliano, relembra uma cena protagonizada por Denise em um dos seus trabalhos. A cena: os dedinhos de Denise posicionados entre o palco e a plateia; gestual que jamais foi esquecido por Cristiane, já que, assim, Denise cravou no corpo dela o sentido criativo do abismo e a força do vazio que permanece e nos une.
E, para a pesquisadora, é neste vazio que está o essencial do ser humano, e o essencial precisa de liberdade para existir. Recordando a rica imagem dos dedinhos de Denise no palco, Cristiane nos fala do tanto de Denise que nela vive e se volta para afirmar o aprendizado que conquistou com o teatro essencial: “cada um, cada uma de nós pode criar o seu próprio teatro”.
E se é deste modo inventivo que Denise se enraíza no corpo de Cristiane, é como guiança absoluta que ela faz morada em outro corpo, o corpo de Marcos Americano, que, para nos mostrar em que lugar Denise o habita, recorreu à carta do caboverdiano Jorge Barbosa a Manuel Bandeira, e assim, nos informou o que ele, Marcos, faria por Denise, a saber: toda e qualquer coisa.
Nossas sedes atávicas, sem dúvida, passam por encontrarmos alguém que nos mostre a direção, e na vida de Marcos este alguém é Denise, e Denise é este alguém em muitos outros seres, de modo que Davi, ao chamá-la para falar, elevou-a à condição de Deusa dionisíaca viva contemporânea.
É isso, Davi encontrou o jeito correto de nomear a fonte que é Denise, que, uma vez com a palavra, nos projetou para a potência que somos. Seu apelo: que superemos os conceitos que nos separam, apostando na arte para extrapolarmos as configurações impostas. Denise sublinhou a natureza benéfica do ser humano, apontando para o corpo, a voz e o solo performance a serviço do refinamento da sensibilidade, deixando expresso o quanto é importante que conheçamos o trabalho do outro.
Denise nos assegura que a arte tem teor libertário em qualquer período histórico, em qualquer espaço e território, mas em tempos visivelmente sensíveis, os quais assim são chamados porque a prática da subtração de vida se torna corrente, a arte precisa encarnar o seu papel de ação libertadora de forma essencial.
E não se trata dos/as artistas executarem atos radicais no formato das suas feituras, por exemplo. O lance é muito mais complexo e simultaneamente mais sutil. O que Denise quer nos dizer é que o/a performer, ao entregar-se ao solo performance, tem que ter a consciência de que pode mudar o mundo para melhor.
Pego esta frase-força dita por ela, silencio e sei: a segunda tarde de maio de 2022 ganhou altas doses de ineditismo. A mesa inaugural do FIDS nos arrebatou para nos mostrar que Denise faz morada em nossas buscas por mais arte, por mais amor, por mais vida.