A convocação de Luca Lima e a música de Cassia Eller (por Sarah Oliveira Carneiro)
  06, May, 2022
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O movimento de abertura para o que o artista oferece em cena nos conduz a zonas nossas que não conhecemos. Mas, também, pode nos levar àquele lugar que em nós reside algo que já escutamos ou que já vimos.
Esta sensação me povoou no segundo dia do FIDS, no horário dedicado à Solo Performance, quando a frase “o mundo está ao contrário e ninguém reparou” ecoou como chamamento num dos trabalhos a que assisti.
Coloquei-me a matutar sobre a referida e muito evocada assertiva, pescada de uma música de Cássia Eller e cheguei à seguinte constatação: hoje, ao contrário do mencionado verso da inesquecível cantora, há sim muita gente por aí reparando na desordem do mundo e alardeando-a aos quatro ventos, convocando atitudes corajosas na direção do desmonte da métrica perversa que suga a vivacidade dos seres que somos.
E, sem dúvida, uma dessas vozes se chama Luca Lima. Sua voz e tudo o mais que o constitui se apresentaram em inteira presença corporal em “Demos”, que integrou a mostra de solo performance no segundo dia do FIDS.
O relógio marcava 17 horas, quando Luca ocupou a tela para nos cutucar a pensarmos, a refletirmos sobre o que é viver numa sociedade em colapso. Todo tipo de interrogação foi ali semeada. O teor de inquietação acendida por “Demos” é da ordem das imensidões. Luca é uma consistência inquietante nos poros de quem está por perto.
“E por que a revolução completa não aconteceu?”, “por que a rebeldia não se instalou de vez?, eu me questionava. Perguntas de complexas respostas, sabemos, e que foram atualizadas, vale dizer, dois dias depois ao ver o talentosíssimo ator Wallace Dutra mergulhado em seu “Comitê do sonho – [work in progress love de ‘(seja realista) peça o impossível’]”.
Mas ainda que a mudança completa do tempo histórico não tenha acontecido, ou exatamente por isso, não podemos desistir de colocarmos o nosso bloco na rua com o objetivo de estancarmos a lógica que reduz vida.
Após Luca e seus chamamentos profundos, a cena ficou por conta de uma turma intensa em seus apelos sensibilizadores. Tivemos na tela Carol Cony, Felipe Cremonini, Fernanda Paixão, Gean Alves, Lucia Savassa, Marco Antonio Moreira, Mingo e Priscila Rosa.
À medida que eu assistia aos respectivos solos performances, a saber: “Desmoronamento da vontade”, “Região desconhecida”, “Just married”, “Linha Vermelha”, “Limítrofe”, “Antes solo do que mal interpretado”, “Beijo da Lua” e “Por entre nós”, os germes de sensibilidade se renovavam em meu íntimo e tive vontade de morar numa colagem de René Magritte.
Somente lá dentro eu teria o abrigo que precisei, diante das maravilhosas reviravoltas que minha emoção vivenciou.